Quem me acompanha mais assiduamente no Instagram (@BiaMunstein) sabe que estou cursando Psicanálise há algum tempo e me formo esse ano de 2024, se tudo der certo.

Sempre pensei em compartilhar meus textos somente após a formação, mas diante de algumas conversas que temos tido, tenho sentido muita vontade de fazê-lo e após vários anos de estudo da mente humana me sinto segura para fazer esse compartilhamento e quem sabe ajudar alguns de vocês a se entenderem melhor e terem um olhar mais empático para os que conosco convivem.

Dito isto e inaugurando uma tag nova no blog, vamos ao texto de hoje!

O eu Narcisista

Esse texto não falará apenas do Narcisismo pela ótica do senso comum. Falaremos do Narcisismo sim, mas pelo viés da Psicanálise. Você pode se surpreender!

O objetivo é desmistificar um pouco mais esse tema que é denso, enraizado na psique humana e tão disseminado nos dias de hoje.

O narcisismo é um dos conceito mais importantes na teoria psicanalítica e também um dos mais complexos.

Já introduzindo a principal diferença nos conceitos (senso comum x Psicanálise) precisamos ter em mente que todos nós somos construídos à partir do narcisismo! O narcisismo não é vilão e não somente isso: o narcisismo é extremamente necessário na nossa formação psíquica.

De acordo com o senso comum, o Narcisista é um ser humano vaidoso, cruel, manipulador e capaz de tudo para conseguir o que deseja.

Pelo ponto de vista psicanalítico, todos nós podemos ser assim em alguma medida, e quando adoecemos psiquicamente podemos ficar mais próximos desses conceitos, à depender do tanto que estamos maduros para lidar com as dificuldades da vida.

Em resumo: o Narcisista pode ser qualquer sujeito neurótico* regredido psiquicamente ao ponto do narcisismo primário. (*dentro do conceito psicanalítico todos nós somos neuróticos e isso não é sinônimo de doença).

Como mencionado no início, o narcisismo faz parte de nós e isso porque ele é uma instância primitiva de construção do ego.

Adentrando brevemente nessa teoria , é durante essa fase que o bebê acha que é o centro do universo e que todas as suas vontades prevalecerão. O “outro” ainda não existe. Porém, durante o processo de amadurecimento do bebê, a mãe começa retomar sua vida, não sendo mais uma presença tão constante como antes e, com o tempo, o bebê se dá conta que existe algo além dele.

Ao se construir internamente, esse pequeno sujeito passa a agregar coisas externas, descobrindo que elas não só existem, como também fazem com que que o mundo não seja só por ele e para ele.

Ele descobre, então, o “outro” enquanto começa a internalizar o mundo.

Dando um salto nesse amadurecimento psíquico, o pequeno narcisista, percebe que o amor do outro não será sempre dado de forma automática e que ele precisará “correr atrás” desse amor. Dessa forma o sujeito passaria a desejar e buscar esse amor incansavelmente, no que Freud viria a chamar de Narcisismo secundário (Freud, Além do Princípio do Prazer. 1920).

“Só estou preparado para amar quando a relação entre o eu e o outro puder existir.”

O narcisismo, tal qual o vemos hoje em dia, é um adoecimento!

Quando adoecemos psiquicamente, temos a tendência de ir nos recolhendo para dentro de nós mesmos. Seja por algo que nos cause profundo sofrimento, sentimento de tristeza, culpa ou inadequação, o que ocorre é que podemos ir regredindo psiquicamente, sempre a um ponto anterior do nosso amadurecimento e, nesse caminho, a depender da história do sujeito e até suas características individuais, podemos atingir um momento da nossa história em que a relação com o outro ainda não estava construída (o Narcisismo primário que falamos à pouco).

Veja que chegando à esse ponto, amar se torna impossível, porque para amar precisamos, necessariamente, do outro!

Eu, como sujeito, só estou preparado para amar quando a relação entre o eu e o outro puder existir.

O narcisista se vê impossibilitado de amar.

Adiante, o sujeito que adoece e regride dessa maneira, se vendo impedido de amar diante da inexistência do outro, também se depara com um sentimento de vazio.

Como o sujeito só se constrói e se enxerga na relação com o outro -num processo de espelhamento- inexistindo o outro ele também não existe, e o que resta para o narcisista adoecido é uma inexistência de si, um vazio existencial.

Aqui poderíamos ver um apelo desesperado por ajuda, porém devemos atentar que uma personalidade extremamente narcísica, muito adoecida, ao ponto de não conseguir enxergar mais o outro, pode, lamentavelmente, não ser um sujeito analisável (que se beneficia da terapia). Ele pode aceitar a proposta terapêutica apenas para continuar se beneficiando de alguma condição: manter o relacionamento que lhe é vantajoso, justificar suas faltas com vitimismo, conseguir a “aprovação” do analista, usar as falas do analista para manipular seus pares, etc.

Voltando ao texto, como o narcisista não existe para si mesmo, ele precisará desesperadamente existir para o outro, e aqui muitos lançarão mão de tudo ao seu alcance para se sentirem vistos e, melhor ainda, serem o centro das atenções, formando assim mais uma das conhecidas características narcísicas: o egocentrismo.

Mas não paramos por aqui: Uma vez que o narcisismo que nos constituiu se encontra na infância, podemos afirmar que o narcisista adoecido é extremamente imaturo e com isso carregará muitas vicissitudes de aspecto infantil: Ele será egoista, manipulador e fará de tudo para conseguir o que deseja. Tal qual uma criança, porém agora com as habilidades de um adulto.

Existe um conceito, ou pré-conceito, que molda o narcisista como um ser vaidoso, cheio de si e que ama profundamente a si mesmo e a sua imagem. Sabemos que essa visão vem do mito de Narciso.

Contudo, precisamos observar mais atentamente o mito, e perceber que Narciso não conhecia sua imagem! Quando Narciso se vê refletido no lago, pela primeira vez, ele não sabia que aquela figura espelhada na água era ele, logo ele não podia se apaixonar por si mesmo. Ele se apaixona pela pessoa que ele viu refletida e considerou bela!

Paralelo a isso, o narcisista também não se vê, e logo não pode amar a si mesmo, não sendo sua auto-adoração genuína. O que o narcisista pode amar é uma falsa ideia que criou de si mesmo, e que, no “frigir dos ovos”, ele próprio sabe que é falsa.

Ainda sobre essa personalidade narcísica, que é conhecida como grandiosa e confiante, precisamos atentar que, mais uma vez, ela pode não passar de um mito. Desconsiderando o aspecto superficial do sujeito, onde por baixo disso existiria um indivíduo frágil e inseguro, o narcisismo tanto pode se manifestar no relacionamento com o outro, com base na superioridade, orgulho e presunção, como na inferioridade, inveja, frustração. Nos dias de hoje, essa segunda descrição pode ser descrita por alguns como “narcisista oculto” ou “narcisista encoberto”, mas não vamos nos aprofundar sobre essa diferenciação nesse texto.

Finalizo reiterando que todos nós somos narcisistas, dele fomos formados e sob o narcisismo secundário viveremos o restante das nossas vidas. O que deveríamos buscar é ter saúde emocional, não deixando acumular a necessidade de tanta regressão psíquica que nos leve cada vez mais próximos do narcisismo primário, onde estaríamos buscando, inconscientemente, o paraíso do ventre da mãe, num momento em que somente nós existíamos no mundo.

Façamos análise.